“Por que não entendeis a minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra.” (João 8:43).

A Bíblia NVI traduziu a segunda parte do versículo em destaque como “porque são incapazes de ouvir o que eu digo”, o que foi de melhor técnica, ficando entendido com maior clareza que havia rejeição pessoal às palavras de Jesus, pois no manuscrito grego original o termo “não podeis ouvir” (“οτι ου δυνασθε ακουειν”), é a forma negativa do verbo “dunamai”, expressando a ação de não poder suportar, não gostar ou ser incapaz de fazer algo devido a um estado de mente.*

Os ignorantes rejeitam ouvir e os rebeldes rejeitam obedecer a palavra de Deus, sendo dois grupos de pessoas que voluntariamente desprezam as coisas espirituais para atender o desejo da carne e desfrutar o prazer do mundo. Acreditam piamente que o mais importante são os prazeres do poder, da riqueza e a posse de bens materiais, desconsiderando que essa escolha terá consequências espirituais graves para suas almas ainda neste mundo e também na eternidade.

A razão principal dos que rejeitam ouvir a palavra da verdade e os pregadores das boas novas está no fato dos mesmos denunciarem a cada um deles seus pecados e fraquezas espirituais, justamente o que eles não querem ouvir, porquanto muitos preferem ignorar o que lhes causa embaraços, tropeços e fracassos, tampouco ouvir incriminações pecaminosas que provocam sentimento de culpa, cobrança de perdão, de reparação e mudança de vida, posturas que precisam ser corrigidas se há intenção sincera de se ter comunhão santa e verdadeira com o Senhor Jesus e com Deus Pai.

São cegos que não querem curar-se da cegueira.  Vejam o que acontecia com Judá na época que Isaías exerceu seu ministério profético (740 a 681 a. C.): “Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do Senhor. Que dizem aos videntes: Não vejais; e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto; dizei-nos coisas aprazíveis, e vede para nós enganos.” (Isaías 30:9-10). Ou seja, o povo pedia para os videntes (hebr. “roeh” ou “hozeh”) para não lhes falarem acerca das visões nem que os profetas do Senhor lhes pregassem a palavra da verdade, pelo contrário pediam que lhes falassem “coisas aprazíveis” mesmo que fossem enganosas ou irreais. Queriam sentir coceira nos ouvidos com fábulas e enganos desde que atendessem suas concupiscências, como foi reproduzida essa lição no Novo Testamento (II Tm 4:3-4).

Na mesma Judá, Jeremias (627 a. C.) exerceu seu ministério profético depois de Isaías e a vontade do povo para com as coisas do Senhor Deus também não mudou – “Mas eles dizem: Não há esperança, porque andaremos segundo as nossas imaginações; e cada um fará segundo o propósito do seu mau coração.” (Jr 18:12). Notório que esses homens não queriam nada que sujeitasse a vontade deles à vontade de Deus, mas tudo devia ser conforme o enganoso coração dos homens. Pura insensatez, loucura total!

Os ímpios sempre concordam e bendizem as práticas carnais e mundanas que movem o coração dos avarentos, porque ambos renunciam ao Senhor (Salmos 10:3). Contudo, sofrerão grande derrota espiritual por contenderem com o poder da palavra de Deus (Salmos 7:12), porque se aliaram ao poder do mal. Serão feridos e terão morte eterna por causa da rebeldia. Somos instruídos acerca da grande misericórdia de Deus para com os ímpios, com aqueles que o rejeitam, pois Deus abre-lhes os ouvidos para atentarem quanto à observância da sua disciplina, ordena-lhes que se convertem da maldade, e, se ouvirem e o servirem acabarão seus dias bem e seus anos em delícias, “porém se não o ouvirem, à espada serão passados, e expirarão sem conhecimento.” (Jó 36:11, Isaías 1:19-20).

O profeta Amós, mesmo sendo morador de Judá, exerceu seu ministério no reino do Norte ou Samaria, no reinado de Jeroboão II, o qual ordenou aos profetas suscitados por Deus que não falassem ao povo: “Mas vós aos nazireus destes vinho a beber, e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizareis.” (Amós 2:12). Tanto no velho quanto no novo testamento Deus sempre exortou enfaticamente a que os homens se convertam de seus maus caminhos para não sofrerem a morte eterna, pois a vontade do Pai é que todos sejam salvos (Jeremias 30:11, Ezequiel 33:11 e I Tm 2:4).

Deus sempre insistiu na salvação dos homens. Depois de sua palavra ser rejeitada por todos os pecadores de Judá, o Senhor Deus se volta para as mulheres e as filhas deles, exortando-as a se arrependerem e se converterem de coração “porque a vindima se acabará, e a colheita não virá.” (Isaías 32:10), em manifesto alerta que a falta de vinho simbolizava a falta da alegria no meio de suas famílias. Porém, o Senhor também sabia que suas mulheres estavam igualmente corrompidas pela perversão do pecado da idolatria depois que deixaram de andar no seu caminho (Isaías 3:16-26). Como não quiseram lhe dar ouvidos, Judá e Jerusalém foram destruídos e queimados pelos caldeus e seus moradores levados como escravos ao exílio babilônico no ano 586 a. C.

O coração sincero jamais recusará ouvir a palavra do Senhor. Pelo contrário, sente vontade de ouvir cada vez mais porque são muitos os benefícios em ouvir e obedecê-la. É isso que diz o salmista: “Escutarei o que Deus, o Senhor, falar; porque falará de paz ao seu povo, e aos santos, para que não voltem à loucura.” (Salmos 85:8).

Quanto aos que rejeitam o chamado da palavra, sua correção e repreensão, a Sabedoria personificada diz que rirá e zombará deles quando vier a perdição, o terror, os quais como a tormenta fará sobrevir o aperto e a angústia, “então clamarão a mim, mas eu não responderei; de madrugada me buscarão, porém não me acharão. Porquanto odiaram o conhecimento; e não preferiram o temor do Senhor: Não aceitaram o meu conselho, e desprezaram toda a minha repreensão.” (Provérbios 1:28-30).

A palavra profética prenunciou que haverá um tempo que os homens terão sede não de água, mas de ouvir a palavra de Deus, e não a encontrará – “E irão errantes de um mar até outro mar, e do norte até ao oriente; correrão por toda a parte, buscando a palavra do Senhor, mas não a acharão.” (Amós 8:12). Isso já aconteceu na velha aliança e está perto de se repetir novamente com o cenário apocalíptico que está às portas desta geração, quando então o Anticristo matará todo aquele que lhe negar louvor e adoração.

Senhor Deus, tenha misericórdia de nós, não permita que cegueira alguma venha a impedir que sua glória continue a resplandecer sobre todos os que, por meio da fé em Cristo, desejam ouvir e obedecer suas palavras com todas as forças das nossas almas.

*Dicionário Strong

**© Texto bíblico: ACF – SBTB