
Matança dos bois por Eliseu: rompimento com o passado
“Partiu,
pois, Elias dali, e achou a Eliseu, filho de Safate, que andava lavrando com
doze juntas de bois adiante dele, e ele estava com a duodécima; e Elias passou
por ele, e lançou a sua capa sobre ele.” (I Rs 19:19).
O texto acima em destaque
refere-se ao chamado de Eliseu por Elias cumprindo ordem de Deus (I Rs 19:16),
pois o velho profeta aproximava-se do dia da sua “aposentadoria”, na verdade do arrebatamento que o levou direto aos
céus (II Rs 2:11-12). O gesto de jogar a capa sobre os ombros do jovem Eliseu
simbolizava que ele seria o sucessor da autoridade e poder do Espírito de Deus
que operava na vida do profeta Elias. Esta transferência de poder
concretizou-se de fato quando, no momento do arrebatamento, Eliseu pegou a capa
de Elias que caiu no instante que o profeta subia ao céu num redemoinho, pois
não há registro da unção de Eliseu pelo profeta Elias.
Após aceitar o chamado feito
pelo profeta do Senhor, Eliseu matou os bois das doze juntas com que arava a
terra no campo da família. A matança dos bois significou o rompimento de Eliseu
com o passado e o compromisso com os propósitos de Deus para sua vida, ficando
entendido que daquele momento em diante nunca mais pegaria no arado para ganhar
a vida, pois iria cumprir o chamado de Deus lavrando e semeando coisas no mundo
espiritual. A atitude de Eliseu lembrou o que Paulo disse a Timóteo: “Ninguém que
milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o
alistou para a guerra” (II Tm 2:4). Eliseu demonstrou compromisso,
disposição e convicção imediata em fazer a vontade de Deus com o trabalho na
obra espiritual, bem como ensinou-nos que se a pessoa não tem condições de
deixar as coisas do passado ela não vai longe na caminhada cristã nem pode
desfrutar da nova vida.
Responder ao chamado desta
maneira não quer dizer que as coisas anteriores à conversão devem ser
esquecidas, pois a experiência de vida é resultado dos erros e acertos que nos
fizeram aprender e ter maturidade. Contudo, não se pode viver a realidade
acorrentado em fatos ou sentimentos que ficaram para trás, sem qualquer chance
de serem corrigidos porque estão no passado. O que precisa de atenção são os
atos e decisões do presente porque influenciam imediatamente nossa maneira de
viver. Deixar-se afetar pelas coisas do passado é viver guardando coisas
velhas, geralmente imprestáveis e perturbadoras de bons pensamentos. A
preocupação com aquilo que não mais se pode alterar é de procedência maligna
pelo fato de roubar a paz e a alegria da alma.
Existem pessoas que não
esquecem o que fizeram ou o que sofreram e isso lhes causam dores intensas –
não perdoam nem se perdoam. Vivem disparando gatilhos contra si próprias, com
perda da paz, alegria, saúde psicológica e física. Perdoar é diferente de
esquecer, razão pela qual a regeneração interior é uma obra sobrenatural do
Espírito Santo – nenhum aconselhador, psicólogo ou psiquiatra consegue produzir
os benefícios de quem se regenera por meio do perdão.
Isso não é fácil porque até
um convertido sincero fica com lembranças dos pecados que cometeu (Ezequiel 20:43,
6:9, 36:31), porém tais pessoas precisam entregar as ofensas ao Senhor porque
retirar culpa ou perturbação da mente do crente é uma obra do Espírito Santo de
Deus, a quem compete retribuir o mal feito e jogar toda lembrança ruim no mar
do esquecimento (Miquéias 7:19 e Isaías 38:17), do contrário viverão oprimidas
espiritualmente. É justamente o que recomenda a sabedoria divina: “Nunca
digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém
da sabedoria esta pergunta.”
(Eclesiastes 7:10). O que o texto bíblico diz é que beira à loucura pautar o
comportamento e o sentimento do coração em coisas que ficaram no passado.
O viver pela fé de qualquer pessoa sempre terá qualidade
superior à vida da velha natureza, ainda que tenhamos que passar por aflições e
tribulações. Deus nunca desamparará quem se mantiver fiel à sua palavra, posto
que independentemente da época o domínio de todas as coisas está em suas mãos.
Ele cumprirá toda promessa de provisão que fez porque é Deus fiel. A vida antiga deve ser deixada de lado. É nova vida e novo
rumo porque Deus garante o que prometeu aos que foram chamados. O chamado de
Deus deve ser um caminho sem volta.
Falando a seus discípulos acerca
da necessidade de rompimento imediato com as coisas do passado para quem é
chamado, Jesus ensinou que “ninguém,
que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” (Lucas 9:62). Ora, assim como o homem que ara a terra
precisa olhar sempre para frente a fim de não entornar a linha de plantio, o
que dificultava entre outras coisas a estimação correta da área plantada, o
discípulo também não deve olhar para trás porque isso pode lhe provocar vontade
de voltar aos velhos hábitos e perder a retidão no caminho da fé.
A decisão de seguir a Cristo para ser uma grande
experiência de mudança de vida exige compromisso e sacrifício de abandonar o
estilo de vida mundana, inclusive as relações mais próximas (Lucas 9:59-61) que
nada acrescentam à vida com Deus ou se opõe a seguir Cristo com liberdade e
dedicação plenas, porquanto anunciar (greg. “diagelle”) a mensagem do evangelho tem primazia sobre todas as
preocupações que envolvem a vida terrena – “Mas
Jesus lhe observou: Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos; porém tu vai
e anuncia o reino de Deus.” (Lucas 9:60).
Anteriormente Jesus já tinha ensinado que para ser
discípulo dele exige renunciar à própria vontade e interesse pessoal para
atender os propósitos espirituais do chamado – “E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e
tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lucas 9:23). O verbo negar-se (greg. “aparneomai”) tem o sentido de esquecer
de si mesmo, perder a visão ou interesse próprio, declarar não conhecimento ou
ligação com alguém, repudiar ou rejeitar suas próprias pretensões.*
Está claro para todos nós quais são os maiores desafios da
vida cristã: a renúncia da vida pessoal (vs. 23) e da vida social (vs. 59-62)
do tempo que o convertido era guiado pela velha natureza. Se a primazia for
nosso relacionamento com Cristo e com Deus, muitos sentimentos e desejos
pessoais serão descartados ou ficarão sempre em segundo plano, como o desejo de
ganhar mais dinheiro, de saciar a concupiscência dos olhos, a concupiscência do
coração, os prazeres da carne e tudo o mais que atrapalham ou impedem servi-lo
em seus propósitos.
A preocupação principal do coração temente é atender primeiro e tão somente aquilo que agrada a vontade de Deus, pois, do contrário não houve renúncia nem sacrifício, o que é sinal evidente que a velha natureza ainda está no domínio –“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (II Co 5:17). Amém.
* Dicionário
Strong