Mensagem Bíblica

Matança dos bois por Eliseu: rompimento com o passado

Matança dos bois por Eliseu: rompimento com o passado

  • Éder de Souza
  • Tempo de Leitura 7 Minutos

Partiu, pois, Elias dali, e achou a Eliseu, filho de Safate, que andava lavrando com doze juntas de bois adiante dele, e ele estava com a duodécima; e Elias passou por ele, e lançou a sua capa sobre ele.” (I Rs 19:19).

O texto acima em destaque refere-se ao chamado de Eliseu por Elias cumprindo ordem de Deus (I Rs 19:16), pois o velho profeta aproximava-se do dia da sua “aposentadoria”, na verdade do arrebatamento que o levou direto aos céus (II Rs 2:11-12). O gesto de jogar a capa sobre os ombros do jovem Eliseu simbolizava que ele seria o sucessor da autoridade e poder do Espírito de Deus que operava na vida do profeta Elias. Esta transferência de poder concretizou-se de fato quando, no momento do arrebatamento, Eliseu pegou a capa de Elias que caiu no instante que o profeta subia ao céu num redemoinho, pois não há registro da unção de Eliseu pelo profeta Elias.

Após aceitar o chamado feito pelo profeta do Senhor, Eliseu matou os bois das doze juntas com que arava a terra no campo da família. A matança dos bois significou o rompimento de Eliseu com o passado e o compromisso com os propósitos de Deus para sua vida, ficando entendido que daquele momento em diante nunca mais pegaria no arado para ganhar a vida, pois iria cumprir o chamado de Deus lavrando e semeando coisas no mundo espiritual. A atitude de Eliseu lembrou o que Paulo disse a Timóteo: “Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (II Tm 2:4). Eliseu demonstrou compromisso, disposição e convicção imediata em fazer a vontade de Deus com o trabalho na obra espiritual, bem como ensinou-nos que se a pessoa não tem condições de deixar as coisas do passado ela não vai longe na caminhada cristã nem pode desfrutar da nova vida.

Responder ao chamado desta maneira não quer dizer que as coisas anteriores à conversão devem ser esquecidas, pois a experiência de vida é resultado dos erros e acertos que nos fizeram aprender e ter maturidade. Contudo, não se pode viver a realidade acorrentado em fatos ou sentimentos que ficaram para trás, sem qualquer chance de serem corrigidos porque estão no passado. O que precisa de atenção são os atos e decisões do presente porque influenciam imediatamente nossa maneira de viver. Deixar-se afetar pelas coisas do passado é viver guardando coisas velhas, geralmente imprestáveis e perturbadoras de bons pensamentos. A preocupação com aquilo que não mais se pode alterar é de procedência maligna pelo fato de roubar a paz e a alegria da alma.

Existem pessoas que não esquecem o que fizeram ou o que sofreram e isso lhes causam dores intensas – não perdoam nem se perdoam. Vivem disparando gatilhos contra si próprias, com perda da paz, alegria, saúde psicológica e física. Perdoar é diferente de esquecer, razão pela qual a regeneração interior é uma obra sobrenatural do Espírito Santo – nenhum aconselhador, psicólogo ou psiquiatra consegue produzir os benefícios de quem se regenera por meio do perdão.

Isso não é fácil porque até um convertido sincero fica com lembranças dos pecados que cometeu (Ezequiel 20:43, 6:9, 36:31), porém tais pessoas precisam entregar as ofensas ao Senhor porque retirar culpa ou perturbação da mente do crente é uma obra do Espírito Santo de Deus, a quem compete retribuir o mal feito e jogar toda lembrança ruim no mar do esquecimento (Miquéias 7:19 e Isaías 38:17), do contrário viverão oprimidas espiritualmente. É justamente o que recomenda a sabedoria divina: “Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da sabedoria esta pergunta.” (Eclesiastes 7:10). O que o texto bíblico diz é que beira à loucura pautar o comportamento e o sentimento do coração em coisas que ficaram no passado.

O viver pela fé de qualquer pessoa sempre terá qualidade superior à vida da velha natureza, ainda que tenhamos que passar por aflições e tribulações. Deus nunca desamparará quem se mantiver fiel à sua palavra, posto que independentemente da época o domínio de todas as coisas está em suas mãos. Ele cumprirá toda promessa de provisão que fez porque é Deus fiel. A vida antiga deve ser deixada de lado. É nova vida e novo rumo porque Deus garante o que prometeu aos que foram chamados. O chamado de Deus deve ser um caminho sem volta.

Falando a seus discípulos acerca da necessidade de rompimento imediato com as coisas do passado para quem é chamado, Jesus ensinou que “ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” (Lucas 9:62). Ora, assim como o homem que ara a terra precisa olhar sempre para frente a fim de não entornar a linha de plantio, o que dificultava entre outras coisas a estimação correta da área plantada, o discípulo também não deve olhar para trás porque isso pode lhe provocar vontade de voltar aos velhos hábitos e perder a retidão no caminho da fé.

A decisão de seguir a Cristo para ser uma grande experiência de mudança de vida exige compromisso e sacrifício de abandonar o estilo de vida mundana, inclusive as relações mais próximas (Lucas 9:59-61) que nada acrescentam à vida com Deus ou se opõe a seguir Cristo com liberdade e dedicação plenas, porquanto anunciar (greg. “diagelle”) a mensagem do evangelho tem primazia sobre todas as preocupações que envolvem a vida terrena – “Mas Jesus lhe observou: Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos; porém tu vai e anuncia o reino de Deus.” (Lucas 9:60).

Anteriormente Jesus já tinha ensinado que para ser discípulo dele exige renunciar à própria vontade e interesse pessoal para atender os propósitos espirituais do chamado – “E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lucas 9:23). O verbo negar-se (greg. “aparneomai”) tem o sentido de esquecer de si mesmo, perder a visão ou interesse próprio, declarar não conhecimento ou ligação com alguém, repudiar ou rejeitar suas próprias pretensões.*

Está claro para todos nós quais são os maiores desafios da vida cristã: a renúncia da vida pessoal (vs. 23) e da vida social (vs. 59-62) do tempo que o convertido era guiado pela velha natureza. Se a primazia for nosso relacionamento com Cristo e com Deus, muitos sentimentos e desejos pessoais serão descartados ou ficarão sempre em segundo plano, como o desejo de ganhar mais dinheiro, de saciar a concupiscência dos olhos, a concupiscência do coração, os prazeres da carne e tudo o mais que atrapalham ou impedem servi-lo em seus propósitos.

A preocupação principal do coração temente é atender primeiro e tão somente aquilo que agrada a vontade de Deus, pois, do contrário não houve renúncia nem sacrifício, o que é sinal evidente que a velha natureza ainda está no domínio –“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (II Co 5:17). Amém.

* Dicionário Strong

**© Texto bíblico: ACF – SBTB