
As duas paciências da vida cristã
“Meus irmãos, tomai por exemplo de aflição e paciência os profetas que
falaram em nome do Senhor.” (Tiago 5:10).
A
maior alegria de todas as pessoas de fé é não ter medo da morte. Davi chamou
esse estado mental proporcionado pela fé de “alegria da salvação” (Salmos 51:12). Quem vive assim sabe que partir e
estar com Cristo é muito melhor do que permanecer neste mundo (Filipenses 1:23). No
entanto, isso não significa que o homem e a mulher de fé não enfrentam ou não
enfrentarão problemas. A vida cristã tem momentos difíceis, muitos desses
momentos não têm procedência maligna, mas vêm como prova da fé e da disposição
em servir a Deus.
No
texto básico acima reproduzido o termo “tomai
por exemplo de aflição” usou a palavra aflição (greg. “kakopatheia”) como sinônimo de sofrimento que procede do mal,
aborrecimento, angústia, aflição, justamente porque fala das perseguições e
afrontas que enfrentavam e até neste tempo enfrentam todos os que falam a
palavra de Deus. “kakopatheia” deriva do verbo
grego afligir-se ou sofrer (greg. “kakopatheo”) que
é o ato de sofrer males, necessidades,
dificuldades, suportar o sofrimento com paciência, estar aflito (II Tm 2:3, 9, 4:5,
Tiago 5:13).*
As
Escrituras são repletas de exemplos onde grandes homens de fé viveram essa mesma
dinâmica de vida: momentos de aflição e de paz. O grande diferencial neles foi
terem enfrentado as aflições com paciência advinda da confiança e segurança de
que Deus é refúgio e fortaleza contra toda adversidade. Quando as crises
chegaram seus corações estavam preparados pelo Espírito Santo. O Senhor diz que
nos protege como um “muro de fogo em
redor” (Zacarias 2:5) e como um “forte muro
de bronze” (Jeremias 15:20) e os que pelejarem contra nós não prevalecerão. A
vida de oração produz paciência na alma de quem conversa e mantém-se em
permanente comunhão com Cristo.
Tiago,
não o apóstolo, mas o irmão de Jesus, usou no texto-base a palavra paciência
(greg. “makrothumia”), formada pelas
palavras gregas “makros” (“longo”) +
“thumos” (“temperamento”), que é a capacidade
de suportar situação ou pessoas com seus defeitos sem guardar amargura pelas
ofensas recebidas. Essa paciência é sinônimo de longanimidade em vários outros
textos bíblicos, a qual é a capacidade de suportar circunstâncias exteriores
desfavoráveis e ofensivas. (Romanos 2:4:22 (ARA), II Co 6:6, Gálatas 5:22, Efésios 4:2, I
Pd 3:20, II Pd 3:15).*
Quem é longânime
não se abala diante da adversidade, das perseguições ou de ofensa aviltante,
pelo contrário permanece confiante que tudo está no controle de Deus (Salmos 119:91) e principalmente não
pensa em revidar nem em se vingar. Este tipo de paciência está relacionado com a tolerância e
a lentidão em punir pecados por Deus. A “makrothumia”
refere-se à paciência com as pessoas, em
demonstrar calma diante de provocações e insultos. Por
exemplo, um servo de Deus que está pregando em praça pública, quando alguém que
o ouve diz-lhe palavras ofensivas ou caluniosas pelo simples motivo de estar
anunciando a palavra do evangelho e ele ouve tudo em silêncio e não revida esse
ataque exterior, o mesmo possui o dom da longanimidade.
Esta
espécie de paciência/longanimidade e o autodomínio tem procedência divina – ambos
são frutos do Espírito (Gálatas 5:22) - e por isso não retalia apressadamente o erro
ou ofensa. A imagem e a certeza que essa paciência (“makrothumia”) produz nos que veem um homem de Deus ficar calmo
diante da ofensa recebida é que o silêncio dele não procede da covardia, mas de
sabedoria e prudência dadas pelo Espírito de Deus.
Os
profetas da velha aliança quando eram afligidos e humilhados por causa da palavra
do Senhor tinham esse tipo de paciência/longanimidade, pois não se iravam nem
desejavam vingança contra seus opositores, mas continuavam firmes no propósito
de pregar a palavra de Deus ao povo de Israel (Tiago 5:10).
A
vida dos profetas foi dada como modelo para suportar aflição com paciência,
pois ao “falarem em nome do Senhor”
sofriam perseguições e humilhações por causa das mensagens que Deus mandava
entregar a reis, sacerdotes, autoridades ou simplesmente contra o pecado do
povo, e assim faziam sem temerem pela própria vida no cumprimento da ordem
divina.
Quem faria o que fez o profeta Odede na frente do exército de Peca, rei de Israel, que marchava para a Samaria levando duzentos mil prisioneiros cativos e despojos de sua vitória contra Acaz, rei de Judá, quando ordenou que soltassem os prisioneiros? Parou-se a marcha dos soldados e libertou-se todos os judeus, com suas filhas e filhos (II Cr 28:9-15). E o feito de Semaías, homem de Deus, também tem que ser lembrado. Roboão, filho de Salomão, escolheu cento e oitenta mil homens para ir à guerra contra Israel para lhe restituir o reino das mãos de Jeroboão, mas esse profeta foi a Roboão para lhe dizer que não deveria pelejar contra os filhos de Israel, “volte cada um para a sua casa, porque eu é que fiz esta obra. E ouviram a palavra do Senhor, e voltaram segundo a palavra do Senhor.” (I Rs 12:24). Como não falar da coragem do profeta Micaías diante de Acabe, rei de Israel, quando anunciou-lhe que sairia para a batalha contra os sírios, porém seria ferido e não retornaria vivo (I Rs 22:7-35)? E Jeremias? Toda vez que pregava a rendição de Jerusalém aos caldeus como era da vontade de Deus, os reis Jeoiaquim e Zedequias mandavam prendê-lo como traidor (Jeremias 32:1-5-29, 36:4-5, 26, 37:13-16).
De outra parte, a segunda paciência (greg. “hupomone”), formada pelas palavras “hupo” (“embaixo de”) + “meno” (“ficar”), significando literalmente “ficar debaixo da paciência”, está relacionada com a constância, firmeza e estabilidade da fé diante de adversidades e perseguições, por autocontrole pessoal.* Esta qualidade é desenvolvida nas provas que testam o coração do crente. É vista como a capacidade de suportar sofrimento por meio de força interior, consistindo na confiança que faz o crente não abandonar sua posição, fugir ou desistir da luta por crer na manifestação do poder de Deus. Cada pessoa tem em menor ou maior grau, originando-se no temperamento individual que demonstra ânimo e força inabaláveis em não se desviar do seu propósito, de sua lealdade à fé em Cristo e vida piedosa mesmo diante das maiores provações e sofrimentos (Lucas 21:19, Romanos 2:7:3-4, 8:25, II Co 12:12, II Ts 3:5, Tiago 1:3-4, 12, 5:11, Apocalipse 1:9, 2:2-3, 13:10).
Pessoas há que enfrentam enfermidades, rebeldia de filhos
ou ameaças de rompimento de laços familiares com orações e jejuns durante muito
tempo e mesmo nada parecendo que a situação vai mudar não desiste, porém é aí
que chega a resposta divina. Jacó lutou com o anjo e foi abençoado e semelhantemente
este tipo de paciência exige resistência interior para manter a confiança e a
esperança na manifestação no poder de Deus. Alguns textos bíblicos traduzem “hupomone” não como paciência, mas como perseverança
dada a natureza persistente do ânimo demonstrado (Romanos 2:7:3-4 (ARA), II Co
12:12 (ARA), Tiago 1:3-4 (ARA), 5:11 (ARA), Apocalipse 1:9:2-3, 13:10 (ARA)).
Mais uma vez Tiago é bastante esclarecedor dizendo que a
paciência “hupomone” é desenvolvida pela fé que persiste à provação, bem como
que todos nós chegaremos à perfeição e completude da fé “sem faltar em coisa alguma”, ou seja, esta paciência coloca nossos
pés na salvação eterna se não desanimarmos nem desistirmos diante das
dificuldades e adversidades circunstanciais – “Sabendo
que a prova da vossa fé opera a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra
perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma.” (Tg
1:3-4).
É bom
dizer que embora parecidas, estas duas espécies têm objetivos distintos. A
primeira paciência (“makrothumia”)
opõe-se à covardia, ao passo que a segunda paciência (“hupomone”) faz resistência à ira e à vingança, virtudes necessárias
aos homens e mulheres que imitam a Cristo.
Os
textos examinados exortam-nos a buscar a paciência em todas suas espécies, por
ser imprescindível nestes últimos tempos, tempos trabalhosos para os que
guardam a fé em santificação do Espírito, pois os homens estão mais
presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, caluniadores,
intemperantes e sem amor para com os bons. Pregar a palavra da verdade vai
ficar cada vez mais difícil porque muitos responderão com zombarias, injúrias e
perseguições tal como foi nos últimos dias que antecederam o dia do juízo do
Senhor para Judá, onde o povo não mais queria ouvir seus mensageiros e os
tratavam com violência.
Senhor,
abençoe-nos com paciência, longanimidade e perseverança na fé!
* Dicionário
Strong