Estudo Bíblico

As duas paciências da vida cristã

As duas paciências da vida cristã

  • Éder de Souza
  • Tempo de Leitura 6 Minutos

Meus irmãos, tomai por exemplo de aflição e paciência os profetas que falaram em nome do Senhor.” (Tiago 5:10).

A maior alegria de todas as pessoas de fé é não ter medo da morte. Davi chamou esse estado mental proporcionado pela fé de “alegria da salvação” (Salmos 51:12). Quem vive assim sabe que partir e estar com Cristo é muito melhor do que permanecer neste mundo (Filipenses 1:23). No entanto, isso não significa que o homem e a mulher de fé não enfrentam ou não enfrentarão problemas. A vida cristã tem momentos difíceis, muitos desses momentos não têm procedência maligna, mas vêm como prova da fé e da disposição em servir a Deus.

No texto básico acima reproduzido o termo “tomai por exemplo de aflição” usou a palavra aflição (greg. “kakopatheia”) como sinônimo de sofrimento que procede do mal, aborrecimento, angústia, aflição, justamente porque fala das perseguições e afrontas que enfrentavam e até neste tempo enfrentam todos os que falam a palavra de Deus.kakopatheia” deriva do verbo grego afligir-se ou sofrer (greg. “kakopatheo”) que é o ato de sofrer males, necessidades, dificuldades, suportar o sofrimento com paciência, estar aflito (II Tm 2:3, 9, 4:5, Tiago 5:13).*

As Escrituras são repletas de exemplos onde grandes homens de fé viveram essa mesma dinâmica de vida: momentos de aflição e de paz. O grande diferencial neles foi terem enfrentado as aflições com paciência advinda da confiança e segurança de que Deus é refúgio e fortaleza contra toda adversidade. Quando as crises chegaram seus corações estavam preparados pelo Espírito Santo. O Senhor diz que nos protege como um “muro de fogo em redor” (Zacarias 2:5) e como um “forte muro de bronze” (Jeremias 15:20) e os que pelejarem contra nós não prevalecerão. A vida de oração produz paciência na alma de quem conversa e mantém-se em permanente comunhão com Cristo.

Tiago, não o apóstolo, mas o irmão de Jesus, usou no texto-base a palavra paciência (greg. “makrothumia”), formada pelas palavras gregas “makros” (“longo”) + “thumos” (“temperamento”), que é a capacidade de suportar situação ou pessoas com seus defeitos sem guardar amargura pelas ofensas recebidas. Essa paciência é sinônimo de longanimidade em vários outros textos bíblicos, a qual é a capacidade de suportar circunstâncias exteriores desfavoráveis e ofensivas. (Romanos 2:4:22 (ARA), II Co 6:6, Gálatas 5:22, Efésios 4:2, I Pd 3:20, II Pd 3:15).*

Quem é longânime não se abala diante da adversidade, das perseguições ou de ofensa aviltante, pelo contrário permanece confiante que tudo está no controle de Deus (Salmos 119:91) e principalmente não pensa em revidar nem em se vingar. Este tipo de paciência está relacionado com a tolerância e a lentidão em punir pecados por Deus. A “makrothumia” refere-se à paciência com as pessoas, em demonstrar calma diante de provocações e insultos. Por exemplo, um servo de Deus que está pregando em praça pública, quando alguém que o ouve diz-lhe palavras ofensivas ou caluniosas pelo simples motivo de estar anunciando a palavra do evangelho e ele ouve tudo em silêncio e não revida esse ataque exterior, o mesmo possui o dom da longanimidade.

Esta espécie de paciência/longanimidade e o autodomínio tem procedência divina – ambos são frutos do Espírito (Gálatas 5:22) - e por isso não retalia apressadamente o erro ou ofensa. A imagem e a certeza que essa paciência (“makrothumia”) produz nos que veem um homem de Deus ficar calmo diante da ofensa recebida é que o silêncio dele não procede da covardia, mas de sabedoria e prudência dadas pelo Espírito de Deus.

Os profetas da velha aliança quando eram afligidos e humilhados por causa da palavra do Senhor tinham esse tipo de paciência/longanimidade, pois não se iravam nem desejavam vingança contra seus opositores, mas continuavam firmes no propósito de pregar a palavra de Deus ao povo de Israel (Tiago 5:10).

A vida dos profetas foi dada como modelo para suportar aflição com paciência, pois ao “falarem em nome do Senhor” sofriam perseguições e humilhações por causa das mensagens que Deus mandava entregar a reis, sacerdotes, autoridades ou simplesmente contra o pecado do povo, e assim faziam sem temerem pela própria vida no cumprimento da ordem divina.

Quem faria o que fez o profeta Odede na frente do exército de Peca, rei de Israel, que marchava para a Samaria levando duzentos mil prisioneiros cativos e despojos de sua vitória contra Acaz, rei de Judá, quando ordenou que soltassem os prisioneiros? Parou-se a marcha dos soldados e libertou-se todos os judeus, com suas filhas e filhos (II Cr 28:9-15). E o feito de Semaías, homem de Deus, também tem que ser lembrado. Roboão, filho de Salomão, escolheu cento e oitenta mil homens para ir à guerra contra Israel para lhe restituir o reino das mãos de Jeroboão, mas esse profeta foi a Roboão para lhe dizer que não deveria pelejar contra os filhos de Israel, volte cada um para a sua casa, porque eu é que fiz esta obra. E ouviram a palavra do Senhor, e voltaram segundo a palavra do Senhor.” (I Rs 12:24). Como não falar da coragem do profeta Micaías diante de Acabe, rei de Israel, quando anunciou-lhe que sairia para a batalha contra os sírios, porém seria ferido e não retornaria vivo (I Rs 22:7-35)? E Jeremias? Toda vez que pregava a rendição de Jerusalém aos caldeus como era da vontade de Deus, os reis Jeoiaquim e Zedequias mandavam prendê-lo como traidor (Jeremias 32:1-5-29, 36:4-5, 26, 37:13-16).

De outra parte, a segunda paciência (greg. “hupomone”), formada pelas palavras “hupo” (“embaixo de”) + “meno” (“ficar”), significando literalmente “ficar debaixo da paciência”, está relacionada com a constância, firmeza e estabilidade da fé diante de adversidades e perseguições, por autocontrole pessoal.* Esta qualidade é desenvolvida nas provas que testam o coração do crente. É vista como a capacidade de suportar sofrimento por meio de força interior, consistindo na confiança que faz o crente não abandonar sua posição, fugir ou desistir da luta por crer na manifestação do poder de Deus. Cada pessoa tem em menor ou maior grau, originando-se no temperamento individual que demonstra ânimo e força inabaláveis em não se desviar do seu propósito, de sua lealdade à fé em Cristo e vida piedosa mesmo diante das maiores provações e sofrimentos (Lucas 21:19, Romanos 2:7:3-4, 8:25, II Co 12:12, II Ts 3:5, Tiago 1:3-4, 12, 5:11, Apocalipse 1:9, 2:2-3, 13:10).

Pessoas há que enfrentam enfermidades, rebeldia de filhos ou ameaças de rompimento de laços familiares com orações e jejuns durante muito tempo e mesmo nada parecendo que a situação vai mudar não desiste, porém é aí que chega a resposta divina. Jacó lutou com o anjo e foi abençoado e semelhantemente este tipo de paciência exige resistência interior para manter a confiança e a esperança na manifestação no poder de Deus. Alguns textos bíblicos traduzem “hupomone” não como paciência, mas como perseverança dada a natureza persistente do ânimo demonstrado (Romanos 2:7:3-4 (ARA), II Co 12:12 (ARA), Tiago 1:3-4 (ARA), 5:11 (ARA), Apocalipse 1:9:2-3, 13:10 (ARA)).

Mais uma vez Tiago é bastante esclarecedor dizendo que a paciência “hupomone” é desenvolvida pela fé que persiste à provação, bem como que todos nós chegaremos à perfeição e completude da fé “sem faltar em coisa alguma”, ou seja, esta paciência coloca nossos pés na salvação eterna se não desanimarmos nem desistirmos diante das dificuldades e adversidades circunstanciais – “Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma.” (Tg 1:3-4).

É bom dizer que embora parecidas, estas duas espécies têm objetivos distintos. A primeira paciência (“makrothumia”) opõe-se à covardia, ao passo que a segunda paciência (“hupomone”) faz resistência à ira e à vingança, virtudes necessárias aos homens e mulheres que imitam a Cristo.

Os textos examinados exortam-nos a buscar a paciência em todas suas espécies, por ser imprescindível nestes últimos tempos, tempos trabalhosos para os que guardam a fé em santificação do Espírito, pois os homens estão mais presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, caluniadores, intemperantes e sem amor para com os bons. Pregar a palavra da verdade vai ficar cada vez mais difícil porque muitos responderão com zombarias, injúrias e perseguições tal como foi nos últimos dias que antecederam o dia do juízo do Senhor para Judá, onde o povo não mais queria ouvir seus mensageiros e os tratavam com violência.

Senhor, abençoe-nos com paciência, longanimidade e perseverança na fé!

* Dicionário Strong

**© Texto bíblico: ACF – SBTB