Estudo Bíblico

Vinho: beber é uma questão de consciência da fé

Vinho: beber é uma questão de consciência da fé

  • Éder de Souza
  • Tempo de Leitura 4 Minutos

O Senhor diz por meio do profeta Amós falando acerca da volta de Israel do exílio, antes mesmo de ocorrer o cativeiro babilônico, como castigo pelo pecado da idolatria da tribo do norte, “trarei do cativeiro meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e farão pomares, e lhes comerão o fruto.” (Amós 9:14). Vemos que uma das promessas de Deus na restauração de Israel, após o cativeiro babilônico, seria a alegria de novamente beberem vinho (hebr. “yayin”) na terra santa. No entanto, na tradução para a língua grega (LXX) essas duas palavras hebraicas – “yayin” e “tirôs” - foram traduzidas como “oinos” (vinho) -, perdendo-se a divisão de conceito e a clareza que havia nos textos hebraicos entre vinho e mosto (vinho novo). Quando Jesus falou em vinho ou vinho novo usou indistintamente “oinos” (Mateus 9:17, João 2:3-10). Ele também foi chamado maldosamente de comilão e de bebedor de vinho – “oinopotes” (Lucas 7:34).

A resposta do Senhor a essa insinuação foi: “ Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos.” (Lucas 7:35, Provérbios 20:1), possivelmente uma alusão aos cuidados dos homens sábios ao beberem vinho de misturá-lo com água – espécie de suco feito com o vinho fermentado (Pv 9:1-2, 5), medida cautelosa para se evitar a embriaguez e o escândalo, prática que era comum porque também essa mistura servia como remédio (I Tm 5:23). No novo testamento, o apóstolo Paulo ao falar dos irmãos fracos na fé diz que “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Romanos 14:17), aconselhando-nos a fazer as coisas que servem para a paz e a edificação, pois o escândalo ou tropeço enfraquece principalmente outros irmãos, dizendo, neste ponto, que “bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça.” (Romanos 14:21).

O povo de Deus plantava vinha (hebr. “kerem”) principalmente para extraírem o vinho que era usado nas ofertas do templo e para consumirem como bebida. A língua hebraica usou duas palavras ao se referir a vinho. A primeira delas é “yayin”, apropriada ao vinho fermentado (Êxodo 14:18, Êxodo 29:30, Levítico 23:13, I Sm 1:24, Provérbios 23:31-35) e a segunda é “tirosh ou tirôs” ou “tiyrosh” referindo-se ao mosto ou o suco fresco extraído do esmagamento das uvas, antes de completar sua fermentação. É o vinho novo não fermentado totalmente. O vinho fermentado é intoxicante (“yayin”) e era o que se servia como oferta de libação, possuindo a capacidade de levar mais facilmente à embriaguez e por isso era considerada uma bebida perigosa, motivo pelo qual deve ser consumida com responsabilidade, ao passo que o mosto (hebr. “tirôs”) ou vinho novo é a bebida agradável, levemente adocicada, símbolo da alegria e das bênçãos no meio do povo de Israel (Deuteronômio 7:14, Zacarias 9:17).

Noé bebeu e se embriagou com “yayin” (Gênesis 9:21). Beber vinho (“yayin”) ou mosto (hebr. “tirôs”) sempre exigiu responsabilidade da parte do povo de Deus para se evitar a embriaguez, porquanto ambas bebidas em excesso podem levar a esse pecado – “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito;” (Ef 5:18, Oséias 4:11, I Co 6:10).

Mesmo o vinho (hebr. “yayin”) tendo uma utilização nos sacrifícios e ofertas expiatórios, porquanto era usado como libação, o povo israelita foi instruído pela palavra de Deus quanto ao seu uso/abuso, bem como sua abstenção por algumas pessoas era vista como vontade de total consagração a Deus, para que houvesse qualquer interferência ou percalço na comunhão com Deus, como feito voluntariamente pelos recabitas (Jeremias 35:14).

As duas únicas abstinências obrigatórias de vinho previstas na lei mosaica eram temporárias: a do nazireu no período de cumprimento do voto (Números 6:1-8, Eclesiastes 5:5) e aos sacerdotes quando cumpriam escala de serviço no templo – “Não bebereis vinho nem bebida forte, nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais;” (Levítico 10:9). Mas, do início ao fim das Escrituras proíbe-se a embriaguez, que é pecado, seja por vinho, cerveja ou qualquer outro meio que leve ao domínio da vontade humana, retirando-a da sujeição a Deus.

Também se recomenda a abstinência do vinho em certas ocasiões, especialmente públicas ou coletivas, como no caso para se evitar que um irmão venha a tropeçar na fé, pois é melhor não “beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa que leve seu irmão a cair.” (Romanos 14:21).

A liberdade cristã entende não ser pecado tudo que o homem faz autorizado por sua consciência da fé em Cristo, sabendo-se que todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm nem edificam, bem se vendo que comemos ou bebemos conforme a paz de espírito, “pois por que há de a minha liberdade ser julgada pela consciência de outrem?” (I Co 10:29). Ou seja, não se recomenda fazer nada com sentimento de culpa, de que algo está ou é errado, sabendo-se que aquilo que se teme é atraído pela fraqueza do temente, diferentemente daquilo que se faz com convicção de fé e sem condenação da palavra de Deus, “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado.” (I Tm 4:4 - ARA).

O texto bíblico analisado diz que nossa crença e a própria consciência dela decorrente é uma questão “entre você e Deus” (Romanos 14:22), algo semelhante ao que o Espírito Santo recomenda aos congregados que, antes de comerem a ceia do Senhor “examine-se, pois, o homem a si mesmo” (I Co 11:28) para não comer nem beber a ceia em pecado, o que, se feito, é para sua própria condenação, momento de fé que ninguém pode fazer em lugar do fiel  - nem o pastor, bispo ou papa -, vez que somente ele (e Deus) sabe o que está dentro do seu coração.

Por fim, todo aquele que conhece a palavra de Deus em sua integralidade deve ensinar o conselho de Deus na totalidade (Atos 20:27), não somente naquilo que fascina suas ideias, sentimentos e maneira de emitir juízos ou conselhos, pois até nisso Deus ordena a todo crente aconselhar as pessoas com as mesmas palavras que Ele nos aconselhou (Provérbios 22:20-21), evitando colocar jugo sobre almas inocentes que ainda não se edificaram na quantia necessária para se livrar do sentimento de culpa, medo, angústia e outras neuroses ou fraquezas mentais, mas que continuam trilhando o caminho da perfeição pela graça e pelo amor de Deus em santidade e temor.

*© Texto bíblico: ACF – SBTB