
Vinho: beber é uma questão de consciência da fé
O Senhor diz
por meio do profeta Amós falando acerca da volta de Israel do exílio, antes
mesmo de ocorrer o cativeiro babilônico, como castigo pelo pecado da idolatria
da tribo do norte, “trarei do cativeiro
meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e
plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e farão pomares, e lhes comerão o
fruto.” (Amós 9:14). Vemos que uma das promessas de Deus na restauração de
Israel, após o cativeiro babilônico, seria a alegria de novamente beberem vinho
(hebr. “yayin”) na terra santa. No
entanto, na tradução para a língua grega (LXX) essas duas palavras hebraicas – “yayin” e “tirôs” - foram traduzidas como “oinos”
(vinho) -, perdendo-se a divisão de conceito e a clareza que havia nos textos
hebraicos entre vinho e mosto (vinho novo).
A resposta do Senhor a essa insinuação foi: “ Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos.” (Lucas 7:35, Provérbios 20:1), possivelmente uma alusão aos cuidados dos homens sábios ao beberem vinho de misturá-lo com água – espécie de suco feito com o vinho fermentado (Pv 9:1-2, 5), medida cautelosa para se evitar a embriaguez e o escândalo, prática que era comum porque também essa mistura servia como remédio (I Tm 5:23). No novo testamento, o apóstolo Paulo ao falar dos irmãos fracos na fé diz que “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Romanos 14:17), aconselhando-nos a fazer as coisas que servem para a paz e a edificação, pois o escândalo ou tropeço enfraquece principalmente outros irmãos, dizendo, neste ponto, que “bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça.” (Romanos 14:21).
O povo de
Deus plantava vinha (hebr. “kerem”) principalmente
para extraírem o vinho que era usado nas ofertas do templo e para consumirem
como bebida. A língua hebraica usou duas palavras ao se referir a vinho. A
primeira delas é “yayin”, apropriada
ao vinho fermentado (Êxodo 14:18, Êxodo 29:30, Levítico 23:13, I Sm 1:24, Provérbios 23:31-35) e a
segunda é “tirosh ou tirôs” ou “tiyrosh” referindo-se ao mosto ou o suco
fresco extraído do esmagamento das uvas, antes de completar sua fermentação. É
o vinho novo não fermentado totalmente. O vinho fermentado é intoxicante (“yayin”) e era o que se servia como
oferta de libação, possuindo a capacidade de levar mais facilmente à embriaguez
e por isso era considerada uma bebida perigosa, motivo pelo qual deve ser
consumida com responsabilidade, ao passo que o mosto (hebr. “tirôs”) ou vinho novo é a bebida
agradável, levemente adocicada, símbolo da alegria e das bênçãos no meio do
povo de Israel (Deuteronômio 7:14, Zacarias 9:17).
Noé bebeu e
se embriagou com “yayin” (Gênesis 9:21).
Beber vinho (“yayin”) ou mosto (hebr.
“tirôs”) sempre exigiu responsabilidade
da parte do povo de Deus para se evitar a embriaguez, porquanto ambas bebidas
em excesso podem levar a esse pecado – “E
não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito;” (Ef
5:18, Oséias 4:11, I Co 6:10).
Mesmo o
vinho (hebr. “yayin”) tendo uma
utilização nos sacrifícios e ofertas expiatórios, porquanto era usado como
libação, o povo israelita foi instruído pela palavra de Deus quanto ao seu
uso/abuso, bem como sua abstenção por algumas pessoas era vista como vontade de
total consagração a Deus, para que houvesse qualquer interferência ou percalço
na comunhão com Deus, como feito voluntariamente pelos recabitas (Jeremias 35:14).
As duas únicas abstinências obrigatórias de vinho previstas na lei mosaica eram temporárias: a do nazireu no período de cumprimento do voto (Números 6:1-8, Eclesiastes 5:5) e aos sacerdotes quando cumpriam escala de serviço no templo – “Não bebereis vinho nem bebida forte, nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais;” (Levítico 10:9). Mas, do início ao fim das Escrituras proíbe-se a embriaguez, que é pecado, seja por vinho, cerveja ou qualquer outro meio que leve ao domínio da vontade humana, retirando-a da sujeição a Deus.
Também se
recomenda a abstinência do vinho em certas ocasiões, especialmente públicas ou
coletivas, como no caso para se evitar que um irmão venha a tropeçar na fé,
pois é melhor não “beber vinho, nem fazer
qualquer outra coisa que leve seu irmão a cair.” (Romanos 14:21).
A liberdade
cristã entende não ser pecado tudo que o homem faz autorizado por sua
consciência da fé em Cristo, sabendo-se que todas as coisas são lícitas, mas
nem todas convêm nem edificam, bem se vendo que comemos ou bebemos conforme a
paz de espírito, “pois por que há de a minha liberdade ser
julgada pela consciência de outrem?” (I Co 10:29). Ou seja, não
se recomenda fazer nada com sentimento de culpa, de que algo está ou é errado, sabendo-se
que aquilo que se teme é atraído pela fraqueza do temente, diferentemente
daquilo que se faz com convicção de fé e sem condenação da palavra de Deus, “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido
com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela
oração, é santificado.” (I Tm 4:4 - ARA).
O
texto bíblico analisado diz que nossa crença e a própria consciência dela
decorrente é uma questão “entre você e
Deus” (Romanos 14:22), algo semelhante ao que o Espírito Santo recomenda aos
congregados que, antes de comerem a ceia do Senhor “examine-se, pois, o homem a si mesmo” (I Co 11:28) para não comer
nem beber a ceia em pecado, o que, se feito, é para sua própria condenação,
momento de fé que ninguém pode fazer em lugar do fiel - nem o pastor, bispo ou papa -, vez que
somente ele (e Deus) sabe o que está dentro do seu coração.
Por
fim, todo aquele que conhece a palavra de Deus em sua integralidade deve ensinar o
conselho de Deus na totalidade (Atos 20:27), não somente naquilo que fascina suas
ideias, sentimentos e maneira de emitir juízos ou conselhos, pois até nisso
Deus ordena a todo crente aconselhar as pessoas com as mesmas palavras que Ele
nos aconselhou (Provérbios 22:20-21), evitando colocar jugo sobre almas inocentes que ainda
não se edificaram na quantia necessária para se livrar do sentimento de culpa,
medo, angústia e outras neuroses ou fraquezas mentais, mas que continuam
trilhando o caminho da perfeição pela graça e pelo amor de Deus em santidade e
temor.