Estudo Bíblico

Carta de divórcio: não se aplica aos cristãos

Carta de divórcio: não se aplica aos cristãos

  • Éder de Souza
  • Tempo de Leitura 5 Minutos

“Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa.” (Deuteronômio 24:1).

O casamento representa o principal modelo de união de vidas humanas nesta terra e quando marido e mulher são separados dói a alma do que sobrevive à morte ou do que foi repudiado (Gênesis 23:2). O que era a carta de repúdio ou carta de divórcio? O casamento exigia do noivo o pagamento de um dote à família da noiva (Ex 22:16-17), daí que sua natureza e consumação em muito se parecia com um negócio econômico, e dada a condição de inferioridade da mulher naquela sociedade, tinha-se que esse pagamento outorgava ao marido o poder de legítima propriedade sobre ela. Legalmente a mulher casada deixava de pertencer à família de seus pais e passava a pertencer à família do marido, à qual se prendia fortemente, mas com a liberdade e a dignidade que os servos ou escravos da casa não tinham. Vários textos da lei mosaica fazem alusão à condição social e legal da mulher repudiada ou divorciada (Levítico 21:7:13 e Números 30:9), transversalmente evidenciando a possibilidade bíblica, desde a aliança do Sinai, do homem divorciar-se da mulher “por nela encontrar coisa indecente” (Deuteronômio 24:1), desde que lhe outorgasse carta de divórcio ou repúdio, pela qual o marido que repudiava sua mulher isentava-a do dever de fidelidade, liberando-a para se casar novamente.

Na verdade, era um documento que preservava a dignidade da mulher repudiada ao tempo que pressionava o marido procurar o tribunal administrativo e os serviços sacerdotal para formalizar o divórcio, pondo fim à submissão da mulher ao marido pactuada no casamento. Era uma medida legal que amenizava a rejeição social da mulher repudiada. A carta de divórcio foi uma verdadeira “Lei Maria da Penha” em época que o marido humilhava fortemente a mulher com quem havia se casado para ficar com outra mulher em adultério, protegido pelos costumes sociais e também pelo pagamento do dote, pelo qual o marido “comprava” a esposa do pai dela.  

O divórcio ou repúdio da mulher da sua mocidade e o segundo casamento foi duramente repreendido pela palavra de Deus por meio do profeta Malaquias - “e se casou com a filha de deus estranho” - quando Deus proclamou que foi testemunha da aliança do homem com a mulher da sua mocidade que os fez “somente um” – “uma só carne” (Gênesis 2:24 e Mt 19:6-7) - e por isso condenava o repúdio que praticavam para se casarem – na verdade, eles “ajuntavam-se” carnalmente - com mulheres estrangeiras (Malaquias 2:11-16). A união em “uma só carne” também tem natureza espiritual – “não foi o Senhor que os fez um só? Em corpo e em espírito eles lhe pertencem. E por que um só? Porque ele desejava uma descendência consagrada. Portanto, tenham cuidado: Ninguém seja infiel à mulher da sua mocidade. (Malaquias 2:15 - NVI) - porque o homem e a mulher, ao se casarem, fizeram um voto espiritual de fidelidade. A inviolabilidade da aliança matrimonial metaforicamente é chamada de “cordão de três dobras” (Eclesiastes 4:12).

No novo testamento a lealdade matrimonial é o “leito sem mácula” (Hebreus 13:5) e seu efeito abençoador permanece sobre os casamentos que cumprem a aliança matrimonial atendendo a vontade de Deus. O casamento é um pacto sagrado onde Deus transforma marido e mulher numa só carne e num só espírito, atendendo ao propósito divino de gerar uma descendência consagrada a Deus, no qual os filhos são cuidados por um mesmo espírito presente no pai e na mãe em consequência da bênção especial do casamento dada por Deus. Pais abençoados pela fidelidade do casamento foram vocacionados a semearem na terra uma descendência piedosa de filhos e filhas santos para o agrado de Deus, ao mesmo que somos advertidos implicitamente pelo texto bíblico do perigo que correm os pais que decidem pelo divórcio, se optarem pelo segundo casamento, de gerarem famílias e descendentes destituídos dessa bênção espiritual e fora dos desígnios divinos.

Que Deus abençoe todas as famílias a permanecerem unidas e debaixo das bênçãos divinas, com unidade de pais e filhos mediante o mover do Espírito Santo, pois essa é a base de uma sociedade vocacionada a ser feliz, próspera e abençoada por Deus.

Texto bíblico: ACF

Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.” (Mateus 19:8-9).

No novo testamento, ao tratar do divórcio, Jesus restaura o princípio modelo do casamento indissolúvel instituído por Deus no Éden (Gn 2:23-24), relembrando que o casamento faz o homem e a mulher “uma só carne” espiritualmente na presença de Deus (Mateus 19:4-9) e permitiu o divórcio excepcionalmente no caso de “relações sexuais ilícitas” (Mateus 19:9 - ARA). Entenda-se: o direito ao divórcio do cônjuge inocente é uma opção, não uma imposição em toda e qualquer circunstâncias, especialmente porque pelo perdão supera-se a ofensa, restaurando o relacionamento conjugal.

Ao que parece a exclusividade do divórcio pelo homem judeu não mais estava em vigor na sociedade judaica na época de Cristo, pois às mulheres também existia o mesmo direito como escreveu o inspirado evangelista Marcos (Marcos 10:12) – mediante julgamento administrativo do tribunal judaico.

No manuscrito grego original do texto bíblico, o termo “relações sexuais ilícitas” vem da palavra grega “porneia”, usada para se referir aos pecados sexuais como adultério, incesto, fornicação e demais relações sexuais ilícitas como homossexualismo, lesbianismo e bestialismo (Mt 5:32, 19:9, Marcos 7:21, João 8:41, Atos 15:20, I Co 6:13,18, II Co 12:21, Gálatas 5:19, Ef 5:3, Colossenses 3:5, I Ts 4:3 e Jd 7), que é sinônima de prostituição, porquanto a mesma abrange toda relação sexual ilícita como fornicação, lesbianismo, incesto e relação sexual com animais (zoofilia ou bestialidade) e também genericamente o adultério. De outra parte, para se dizer que alguém violou a fidelidade do casamento ao cometer adultério usava-se o verbo “moicheuo” que significa cometer adultério, ter relação fora do casamento ou com a mulher de outro, ser um adúltero, permitir adultério ou ser devassa (Mateus 5:28:19, 19:18, Lc 16:18, João 8:3, Romanos 2:22 e Tiago 2:11). A mulher adúltera que os escribas e fariseus levaram a Jesus foi apanhada em “moicheuo” (João 8:4).

Ou seja, a palavra grega “moicheia” era mais específica e a mais usada para se referir ao adultério (Mateus 15:19, Marcos 7:21 e João 8:3), não sendo usada para se referir às relações sexuais ilícitas como fornicação, homossexualismo, bestialismo, incesto, etc, já que todas essas condutas dizem respeito à “porneia”, tampouco se pode traduzir “porneia” simplesmente como fornicação como fez a tradução ACF – a versão bíblica ARA andou bem em traduzir como “relações sexuais ilícitas” e a Bíblia NVI como “imoralidade sexual” -, pois como vimos essa palavra grega tem sentido muito mais abrangente. Logo, o adultério não é a única causa de divórcio entre os cristãos, porquanto também são causas todas as demais “relações sexuais ilícitas” anteriormente descritas e que se incluem na palavra grega usada por Jesus em Mateus 19:9.

Pelos mandamentos bíblicos não há espaço para o sexo casual ou fornicação, vez que a palavra de Deus adotou na relação sexual a pureza e a fidelidade conjugal no gozo desse prazer entre o homem e a mulher, não restando espaço para relação sexual fora do casamento, evidenciando que qualquer paixão ou desejo sexual somente poderá ser realizado entre cônjuges, com entrega e cumplicidade próprios de marido e mulher.

A Bíblia não refreia e nem proíbe o instinto sexual da natureza humana, mas expressamente adverte-nos acerca da finalidade para o qual esse desejo foi criado por Deus (Gênesis 2:22-25), cabendo ainda reafirmar que o instinto sexual não foi concebido para qualquer outra finalidade que não seja a intimidade do matrimônio, incorrendo no pecado da fornicação os que violam referido princípio espiritual os que o satisfazem fora do casamento, daí a razão pela qual a doutrina apostólica exorta a satisfação do sexo dentro do casamento:  “mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se.” (I Co 7:9), relembrando que a decisão pelo casamento deve ser bem pensada pelos pretendentes por ser algo que envolve uma escolha para durar a vida toda, o que requer sentimento maduro e responsabilidade nessa decisão, especialmente porque “a mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive” (vs. 32).

No novo testamento Jesus e Paulo foram quem mais falaram sobre o casamento e ambos frisam enfaticamente que o casamento cristão tem como regra ser indissolúvel porque a vontade de Deus é que o mesmo dure até a morte. Este é o modelo bíblico de casamento entre o homem e a mulher, e bem-aventurado será todo aquele fizer o que agrada o coração de Deus.