
Carta de divórcio: não se aplica aos cristãos
“Quando um homem tomar uma mulher e se
casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela
encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua
mão, e a despedirá da sua casa.” (Deuteronômio 24:1).
O casamento representa o principal modelo de união de
vidas humanas nesta terra e quando marido e mulher são separados dói a alma do
que sobrevive à morte ou do que foi repudiado (Gênesis 23:2). O que era a carta de repúdio ou carta de divórcio? O
casamento exigia do noivo o pagamento de um dote à família da noiva (Ex
22:16-17), daí que sua natureza e consumação em muito se parecia com um negócio
econômico, e dada a condição de inferioridade da mulher naquela sociedade,
tinha-se que esse pagamento outorgava ao marido o poder de legítima propriedade
sobre ela. Legalmente a mulher casada deixava de pertencer à família de seus
pais e passava a pertencer à família do marido, à qual se prendia fortemente,
mas com a liberdade e a dignidade que os servos ou escravos da casa não tinham.
Vários
textos da lei mosaica fazem alusão à condição social e legal da mulher
repudiada ou divorciada (Levítico 21:7:13 e Números 30:9), transversalmente
evidenciando a
possibilidade bíblica, desde a aliança do Sinai, do homem divorciar-se da
mulher “por nela encontrar coisa indecente” (Deuteronômio 24:1), desde que lhe outorgasse carta de divórcio ou
repúdio, pela qual o marido que repudiava sua
mulher isentava-a do dever de fidelidade, liberando-a para se casar novamente.
Na verdade, era um documento que preservava a dignidade da
mulher repudiada ao tempo que pressionava o marido procurar o tribunal
administrativo e os serviços sacerdotal para formalizar o divórcio, pondo fim à
submissão da mulher ao marido pactuada no casamento. Era uma medida legal que
amenizava a rejeição social da mulher repudiada. A carta de divórcio foi uma
verdadeira “Lei Maria da Penha” em
época que o marido humilhava fortemente a mulher com quem havia se casado para
ficar com outra mulher em adultério, protegido pelos costumes sociais e também
pelo pagamento do dote, pelo qual o marido “comprava”
a esposa do pai dela.
O divórcio ou
repúdio da mulher da sua mocidade e o segundo casamento foi duramente
repreendido pela palavra de Deus por meio do profeta Malaquias - “e se casou com a filha de deus estranho”
- quando Deus proclamou que foi testemunha da aliança do homem com a mulher da
sua mocidade que os fez “somente um”
– “uma só carne” (Gênesis 2:24 e Mt
19:6-7) - e por isso condenava o repúdio que praticavam para se casarem – na
verdade, eles “ajuntavam-se”
carnalmente - com mulheres estrangeiras (Malaquias 2:11-16). A união em “uma só carne” também tem natureza espiritual – “não foi o Senhor que os fez um só? Em corpo e em
espírito eles lhe pertencem. E por que um só? Porque ele desejava uma
descendência consagrada. Portanto, tenham cuidado: Ninguém seja infiel à mulher
da sua mocidade.” (Malaquias 2:15 - NVI) - porque o homem e
a mulher, ao se casarem, fizeram um voto espiritual de fidelidade. A
inviolabilidade da aliança matrimonial metaforicamente é chamada de “cordão de três dobras” (Eclesiastes 4:12).
No novo
testamento a lealdade matrimonial é o “leito
sem mácula” (Hebreus 13:5) e seu efeito abençoador permanece sobre os casamentos
que cumprem a aliança matrimonial atendendo a vontade de Deus. O casamento é um
pacto sagrado onde Deus transforma marido e mulher numa só carne e num só
espírito, atendendo ao propósito divino de gerar uma descendência consagrada a
Deus, no qual os filhos são cuidados por um mesmo espírito presente no pai e na
mãe em consequência da bênção especial do casamento dada por Deus. Pais
abençoados pela fidelidade do casamento foram vocacionados a semearem na terra
uma descendência piedosa de filhos e filhas santos para o agrado de Deus, ao
mesmo que somos advertidos implicitamente pelo texto bíblico do perigo que
correm os pais que decidem pelo divórcio, se optarem pelo segundo casamento, de
gerarem famílias e descendentes destituídos dessa bênção espiritual e fora dos
desígnios divinos.
Que Deus abençoe
todas as famílias a permanecerem unidas e debaixo das bênçãos divinas, com
unidade de pais e filhos mediante o mover do Espírito Santo, pois essa é a base
de uma sociedade vocacionada a ser feliz, próspera e abençoada por Deus.
“Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza
dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio
não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não
sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que
casar com a repudiada também comete adultério.” (Mateus 19:8-9).
No novo testamento, ao tratar do divórcio, Jesus restaura
o princípio modelo do casamento indissolúvel instituído por Deus no Éden (Gn
2:23-24), relembrando que o casamento faz o homem e a mulher “uma só carne” espiritualmente na
presença de Deus (Mateus 19:4-9) e permitiu o divórcio excepcionalmente no caso de
“relações sexuais ilícitas” (Mateus 19:9
- ARA). Entenda-se: o direito ao divórcio do cônjuge inocente é uma opção, não
uma imposição em toda e qualquer circunstâncias, especialmente porque pelo
perdão supera-se a ofensa, restaurando o relacionamento conjugal.
Ao que parece a exclusividade do divórcio pelo homem judeu
não mais estava em vigor na sociedade judaica na época de Cristo, pois às
mulheres também existia o mesmo direito como escreveu o inspirado evangelista
Marcos (Marcos 10:12) – mediante julgamento administrativo do tribunal judaico.
No manuscrito grego original do texto bíblico, o termo “relações sexuais ilícitas” vem da
palavra grega “porneia”, usada para
se referir aos pecados sexuais como adultério, incesto, fornicação e demais
relações sexuais ilícitas como homossexualismo, lesbianismo e bestialismo (Mt
5:32, 19:9, Marcos 7:21, João 8:41, Atos 15:20, I Co 6:13,18, II Co 12:21, Gálatas 5:19, Ef
5:3, Colossenses 3:5, I Ts 4:3 e Jd 7), que é sinônima de prostituição, porquanto a
mesma abrange toda relação sexual ilícita como fornicação, lesbianismo, incesto
e relação sexual com animais (zoofilia ou bestialidade) e também genericamente
o adultério. De outra parte, para se dizer que alguém violou a fidelidade do
casamento ao cometer adultério usava-se o verbo “moicheuo” que significa
cometer adultério, ter relação fora do casamento ou com a mulher de outro, ser
um adúltero, permitir adultério ou ser devassa (Mateus 5:28:19, 19:18, Lc
16:18, João 8:3, Romanos 2:22 e Tiago 2:11). A mulher adúltera que os escribas e fariseus
levaram a Jesus foi apanhada em “moicheuo” (João 8:4).
Ou seja, a palavra grega “moicheia” era mais específica e a
mais usada para se referir ao adultério (Mateus 15:19, Marcos 7:21 e João 8:3), não sendo
usada para se referir às relações sexuais ilícitas como fornicação,
homossexualismo, bestialismo, incesto, etc, já que todas essas condutas dizem
respeito à “porneia”, tampouco se pode traduzir “porneia” simplesmente como
fornicação como fez a tradução ACF – a versão bíblica ARA andou bem em traduzir
como “relações sexuais ilícitas” e a
Bíblia NVI como “imoralidade sexual”
-, pois como vimos essa palavra grega tem sentido muito mais abrangente. Logo,
o adultério não é a única causa de divórcio entre os cristãos, porquanto também
são causas todas as demais “relações
sexuais ilícitas” anteriormente descritas e que se incluem na palavra grega
usada por Jesus em Mateus 19:9.
Pelos mandamentos bíblicos não há espaço
para o sexo casual ou fornicação, vez que a palavra de Deus adotou na relação
sexual a pureza e a fidelidade conjugal no gozo desse prazer entre o homem e a
mulher, não restando espaço para relação sexual fora do casamento, evidenciando que qualquer paixão ou desejo sexual somente
poderá ser realizado entre cônjuges, com entrega e cumplicidade próprios de
marido e mulher.
A Bíblia não refreia e nem proíbe o instinto sexual da natureza humana, mas expressamente adverte-nos acerca da finalidade para o qual esse desejo foi criado por Deus (Gênesis 2:22-25), cabendo ainda reafirmar que o instinto sexual não foi concebido para qualquer outra finalidade que não seja a intimidade do matrimônio, incorrendo no pecado da fornicação os que violam referido princípio espiritual os que o satisfazem fora do casamento, daí a razão pela qual a doutrina apostólica exorta a satisfação do sexo dentro do casamento: “mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se.” (I Co 7:9), relembrando que a decisão pelo casamento deve ser bem pensada pelos pretendentes por ser algo que envolve uma escolha para durar a vida toda, o que requer sentimento maduro e responsabilidade nessa decisão, especialmente porque “a mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive” (vs. 32).
No novo testamento Jesus e Paulo foram quem mais falaram sobre o casamento e ambos frisam enfaticamente que o casamento cristão tem como regra ser indissolúvel porque a vontade de Deus é que o mesmo dure até a morte. Este é o modelo bíblico de casamento entre o homem e a mulher, e bem-aventurado será todo aquele fizer o que agrada o coração de Deus.