
Família biológica x Família espiritual
“E
disse Saul aos queneus: Ide-vos, retirai-vos e saí do meio dos amalequitas,
para que não vos destrua juntamente com eles, porque vós usastes de
misericórdia com todos os filhos de Israel, quando subiram do Egito.
Assim os queneus se retiraram do meio dos amalequitas.” (I Sm 15:6).
Trata-se de realidade bíblica a
existência de dois tipos de família: A biológica, onde nascemos e formamos a
primeira irmandade e afetos mútuos, e também a família espiritual, baseada na
fé em Deus e em Cristo, onde comungamos o amor fraternal sustentado pelo amor
de Deus e no qual os salvos viverão eternamente nos céus, sendo ou não irmãos
de sangue. Esta convivência se dá por meio do corpo de Cristo, unidos pelo
mover do Espírito Santo. Na Igreja do Senhor, que é a família espiritual, não
existe irmão brasileiro, alemão, francês, italiano, português, americanos/EUA,
paraguaios, bolivianos, chineses ou japoneses, posto que todos somos “irmãos”
entre si e filhos de Deus por meio da fé em Cristo.
Os queneus – um dos povos que habitava Canaã na época de Abraão (Gn
15:19) - consideravam-se descendentes de Caim, tendo parentesco de sangue com
os midianitas e com os amalequitas. Não eram parentes dos israelitas, mas
tinham bom relacionamento com o povo de Deus por causa Jetro, um sacerdote
queneu de Midiã, para aonde fugiu Moisés depois que matou um egípcio que feria
um hebreu (Êxodo 2:12-16). Moisés viveu quarenta anos com Jetro em Midiã, onde se
casou sua filha Zípora. Na saída do Egito, o sacerdote encontrou-se com Moisés
e também ofereceu holocausto e sacrifícios para Deus para celebrar a alegria da
libertação da nação de Israel – “Então
Jetro, o sogro de Moisés, tomou holocausto e sacrifícios para Deus; e veio
Arão, e todos os anciãos de Israel, para comerem pão com o sogro de Moisés
diante de Deus.” (Êxodo 18:12), confirmando sua aliança e
compromisso com os caminhos e fé no Senhor Deus de Israel.
No
entanto, na época do reinado de Saul (1050 a 1010 a. C.), o qual durou quarenta
anos (Atos 13:21), também havia queneus entre os amalequitas, mas a fidelidade do
Senhor Deus com os queneus por causa da família de Moisés também estendeu os
benefícios da sua misericórdia aos queneus que moravam entre os amalequitas,
mandando Saul avisá-los da iminente destruição dos amalequitas por causa do
episódio na chegada de Israel ao Monte Sinai (Êxodo 17:8-14).
Pois
bem. Os queneus prefiguram a irmandade espiritual. Eram parentes sanguíneos
dos amalequitas e midianitas, contudo não compartilhavam da impiedade nem da
idolatria de seus parentes, pois sempre viveu próximo ou no meio de Israel, o
povo de Deus, desde a conquista da terra – “Também
os filhos do queneu, sogro de Moisés, subiram da cidade das palmeiras com os
filhos de Judá ao deserto de Judá, que está ao sul de Arade, e foram, e
habitaram com o povo.” (Juízes 1:16). Balaão, o profeta de coração ganancioso, ao ver os queneus ou quenitas
no meio de Israel quando os israelitas foram atravessar o rio Jordão
profetizou: “Segura está a tua habitação,
e puseste o teu ninho na penha.” (Números 24:21, Juízes 4:17:24, I Sm 27:10,
30:29), numa clara alusão a Deus, a Rocha da nação de Israel (Salmos 19:14).
Entanto,
Israel afastou-se e deixou de conviver com alguns parentes biológicos ou de
sangue. A nação de Israel (cujo nome de nascimento era Jacó – Gênesis 35:10)
afastou-se definitivamente e até se tornou inimiga dos descendentes do seu
irmão Esaú, fundador do reino de Edom (Gênesis 36:8). Israel também rejeitou
convivência com os moradores de Amom e Moabe, adoradores de divindades pagãs
(Moloque e Quemos), reinos fundados pelos netos de Ló, sobrinho de Abraão (Gn
12:5, 14:12), o patriarca da nação de Israel.
Isso mostra que a afinidade do povo de Deus não é com o sangue, mas com os laços espirituais porque somos dirigidos pelo Espírito Santo – “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.” (Romanos 8:14). Os irmãos de sangue de Jesus foram contra ele durante seu ministério – achavam que Jesus estava louco ou fora de si (greg. “existemi”) pregando a doutrina do evangelho do reino de Deus – “E, quando os seus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si.” (Marcos 3:21, João 7:3-4) -, contudo depois da morte e ressurreição de Jesus eles se converteram e dois deles inspirados pelo Espírito Santo, Tiago e Judas, escreveram cartas com profundo saber teológico, nas quais se vê que eram judeus fervorosos e conhecedores da lei mosaica, e assim agiram porque foram confrontados pelas mensagens de boas novas do evangelho.
Os
queneus tinham maturidade espiritual e entenderam que deviam permanecer juntos
com os israelitas porque o Senhor Deus era com a nação de Israel. Há momento da
vida cristã que também precisamos optar em permanecer junto dos irmãos da fé,
ainda que tenhamos que diminuir o relacionamento ou até mesmo se afastar de
parentes de sangue, porquanto nossas escolhas e maneira de viver não mais se
identificam com a vida ímpia ou mundana às quais estão presos sem vontade de se
converterem a Deus. Devido
ao fato que o vínculo do amor fraternal em Cristo não ser de natureza
temporária, mas se estenderá pela eternidade, claramente se percebe que o
cristão deve ter relacionamento mais próximo e confiante com irmãos da fé do
que com seus laços familiares e parentes não cristãos.
Essa
lição também foi ensinada por Jesus. Quando falava à multidão alguém lhe diz
que lá fora estava sua mãe e seus irmãos querendo falar com ele, e “Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe
falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para
os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; Porque, qualquer
que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e
mãe.” (Mateus 12:48-50). O Filho de Deus confirmava nosso parentesco espiritual
com Ele e com o Pai.
Assim, sem rejeitá-los, porque cada
cristão tem o ministério da reconciliação e o dever de buscar as almas para
Deus (II Co 5:18-19), nossos irmãos sanguíneos não cristãos perdem posição de
convivência aos irmãos de fé que vivem a intimidade e a comunhão sinceras como membros
da igreja de Jesus Cristo. Os benefícios que edificam e alegram o coração do
cristão não mais serão as festas, conversas e reuniões mundanas, mas a reunião
e as conversas que edificam e alegram o espírito mantidas com os irmãos
espirituais. É uma palavra forte que vem contra os vínculos da natureza carnal,
contudo foi ensinada por Jesus em seu ministério terreno (Lucas 8:20-21 e Mt
12:46-50), justamente o Autor do vínculo espiritual que temos com o Pai
Celestial.
Jesus, ensina-nos a falar com sabedoria
aos nossos parentes biológicos do amor do Pai que o Senhor ensinou-nos em seu
evangelho, a fim de que possamos ganhá-los para a família
espiritual do Pai e Deus Eterno.