Como foram estabelecidas as primeiras igrejas cristãs
“E, havendo-lhes, por comum consentimento, eleito anciãos em cada igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido.” (Atos 14:23).
Em comparação com o sistema da lei mosaica que
regia a congregação de Israel, no novo testamento a organização eclesiástica
ficou bem mais leve com a instituição bíblica de apenas duas funções oficiais,
a de ancião (bispo, presbíteros ou pastor) e diácono (I Tm 3:1-13, Tito 1:5-9). Logo, o presbitério (ou ancianato) e o diaconato
são os dois únicos órgãos eclesiásticos das igrejas cristãs que desempenham
suas atividades religiosas por meio desses dois ofícios ou cargos, cabendo-lhes
ministrar ou servir com inteireza os fiéis nas áreas espiritual e de serviços,
respectivamente. É uma simetria com as funções da velha aliança,
onde os sacerdotes, descendentes de Arão, ministravam a palavra ao povo (Lv
10:11) e os levitas cuidavam dos demais serviços do templo, como auxiliares dos
sacerdotes (Números 3:6-9:14-19, 18:2-6, Deuteronômio 10:8-9).
A palavra ancião (greg. “presbuteros”) refere-se ao homem avançado em idade e entre os judeus eram os membros do grande concílio ou sinédrio porque nos tempos antigos os líderes do povo, juízes, autoridades civis e religiosas, etc. eram selecionados dentre os anciãos. E, entre os cristãos, são aqueles que presidem as assembleias ou igrejas. O novo testamento usa o termo bispo, ancião e presbítero de modo permutável, ou seja, são palavras sinônimas (Mateus 16:21:41, Marcos 14:43, Lucas 1:18, 7:3, 9:22, 15:25, João 8:9, Atos 2:17:23, 6:12, 11:30, 14:23, I Tm 5:1-2, 17, 19, Tito 1:5:2, Hebreus 11:2, I Pd 5:1, 5, II João 1:1, III João 1:1, Apocalipse 4:4:11).
O livro de Atos dos Apóstolos é chamado de “Manual das igrejas” porque nele são designadas as funções consagradas para o serviço espiritual a Deus, como e quem deve escolher seus ocupantes e as exigências pessoais dos ministros da palavra e de seus auxiliares, sem falar nos requisitos espirituais do chamado e da capacitação espiritual feitos pelo Espírito Santo.
Foi na primeira viagem missionária de Paulo (entre 46 e 48
d. C.), ainda chamado de Saulo, que juntamente com Barnabé foi separado pelo
Espírito Santo na igreja de Antioquia da Síria (Atos 13:1-3) e enviados para a
evangelização dos gentios, período em que foram estabelecidas as primeiras
igrejas cristãs.A primeira obra de evangelização foi em Chipre, terra de
Barnabé (Atos 4:36). Depois foram para a Ásia e ali fazem a primeira pregação na
sinagoga de Antioquia da Pisídia (Atos 13:14). No sábado seguinte quando os
judeus viram quase toda a cidade em frente da sinagoga para ouvir a pregação de
Paulo, sentiram inveja e blasfemavam contradizendo o que Paulo dizia sobre o
evangelho (Atos 13:45), rejeição que fez Paulo e Barnabé pregarem apenas aos
gentios. Contudo, referidos judeus incitaram algumas mulheres religiosas para
os perseguirem, o que bem fizeram expulsando a ambos da cidade. Aí foram para
Icônio, onde se detiveram por muito tempo fazendo sinais e prodígios com suas mãos,
maravilhas que levaram os judeus da sinagoga a prepararem um motim para lhes
insultar e apedrejá-los, do que tomando ciência fugiram para Listra, onde Paulo
foi apedrejado (Atos 14:1-6).
Restaurado da violência do apedrejamento, Paulo e Barnabé
foram pregar em Derbe e de lá retornaram pelo mesmo caminho e cidades que antes
lhes ameaçaram (greg. “apeileo”) e os haviam expulsado das mesmas, porém desta
vez Paulo e Barnabé supervisionaram livremente a escolha de anciãos nessas
cidades que ficaram como responsáveis pela pregação da doutrina ensinada e do
evangelho de Cristo.
Do que vimos, pode ser dito que a igreja local precisar
designar ou escolher homens com preparo espiritual para ministrar a palavra de
Deus, especialmente porque a base da fé cristã consiste em ouvir a palavra da
verdade (Romanos 10:17) e por ela ser edificado continuamente para se chegar ao
crescimento espiritual e à unidade da fé.
Esse é o contexto da criação das primeiras cristãs na
Igreja Primitiva. Como foram eleitos os presbíteros ou anciãos? Há um silêncio
sobre a forma da eleição ou escolha dos anciãos, contudo há de se entender que
o mesmo Espírito que inspirou a eleição dos diáconos pelos discípulos exigindo
que fossem homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria (At
6:1-3) também dirigiu a escolha desses anciãos, pois são esses os requisitos
pessoais dos que se posicionam à frente da obra do Senhor (I Tm 3:1-7, Tt
1:5-9).
Certo é que, a escolha dos anciãos das primeiras igrejas cristãs, tal como a dos diáconos na igreja de Jerusalém, foi objeto de escolha ou votação pelos discípulos de cada igreja, não algo imposto ou ordenado por Paulo e Barnabé, podendo se ver que na função de missionários e servos ungidos do Senhor, Paulo e Barnabé coordenaram a parte espiritual das escolhas feitas com oração e jejuns (Atos 14:23), bem como aconselharam essas comunidades cristãs a se organizarem nos moldes das congregações dos judeus ou sinagogas, donde o corpo espiritual era formado pela nomeação de um grupo de anciãos (o ancianato), presumidamente os melhores e mais capacitados espiritualmente dentro do corpo de Cristo.
No entanto, sabemos que a inspiração espiritual não se limita aos anciãos ou pastores, mas todos os crentes são instruídos pelo Espírito Santo e de maneira especial aos anciãos que têm vida consagrada diante de Deus, pois é certo que há dons ministeriais (Efésios 4:11-12) e dons de banco ou para o restante da igreja (I Co 12:4-11, 28-31), porque nesta dispensação todo o corpo de Cristo alimenta-se da graça divina e compartilha da multiforme sabedoria de Deus, em conformidade com o que ensinam os apóstolos Paulo e Pedro: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus,” (Efésios 3:10, I Pd 4:10).
No
livro de Atos dos Apóstolos notamos o uso do termo igreja, em sua grande
maioria, com o sentido de congregação ou igreja local (I Co 1:2), afinando sua
linguagem com o objetivo central desse livro no estabelecimento das primeiras
igrejas cristãs. Noutro sentido, considerando seu caráter universal para
atingir crentes de todas as gerações, nas epístolas usou-se a palavra igreja
com sentido de comunidade universal ou igreja universal de Cristo. Esta
distinção foi extremada pelo próprio Senhor em seu evangelho ao falar da
disciplina na igreja local (Mateus 18:17, Atos 5:11, Romanos 16:11) e do projeto celestial
da igreja cristã universal (Mateus 16:18, I Co 12:28, Efésios 1:22:10) tendo Cristo
como pedra fundamental.
A semelhança de estrutura organizacional com o modelo das
sinagogas não implicou na adoção pelas igrejas cristãs do mesmo rito dos cultos
de adoração das sinagogas, pois nas igrejas cristãs impera a liberdade do
Espírito Santo, com tudo sendo feito com decência e ordem (I Co 14:40), o que
ficou bem claro nos primeiros tempos quando os cristãos se reuniam em casas (At
21:18), pois não havia edifício ou espaço próprio à congregação. Vejamos o que
diz doutrina fundamentada na palavra de Deus: “Os
apóstolos estabeleceram uma liderança formal nas diversas igrejas escolhendo
presbíteros, segundo o padrão das igrejas da Palestina (veja obs. em 11:30). O
método da escolha não está claro, pois a palavra grega pode descrever tanto uma
eleição pela congregação como uma designação pelos apóstolos. Não indica
ordenação formal. A linguagem sugere que havia diversos presbíteros em cada
igreja local; Atos (Comentário Bíblico Moody) 68 mas a igreja em cada cidade
pode ter consistido de um número de congregações que se reuniam nas casas tendo
um presbítero a liderar cada grupo.” (Moody – em comentários ao
livro de Atos dos Apóstolos – At 14:23).
Também ficou claro no estabelecimento das primeiras
igrejas que questões que envolvem a palavra do evangelho e questões doutrinárias
devem ser decididas pelo conselho ou congregação dos anciãos (bispos ou
presbíteros) e pelo pastor-presidente da igreja (Atos 15:6), porém a eleição de homens para
este mesmo conselho ou para assuntos doutrinários carece da manifestação de
toda igreja como faziam os primeiros cristãos (Atos 15:22).