É necessário jejuar?
O
jejum espiritual é a consagração voluntária durante certo tempo à abstinência
total de alimento, às vezes também se inclui a água, com o intuito de chamar a
atenção, suplicar livramento ou buscar a intimidade com Deus, servindo-se da
privação dos desejos que satisfazem puramente a carne para se dedicar
intensamente à comunhão espiritual, mediante oração e meditação na palavra. É
ato religioso de disposição voluntária, de caráter ocasional, que exige esforço
e disciplina visando fortalecer a vigilância e a prontidão espiritual.
A
prática do jejum, se regular, auxilia na implementação de vida regrada ou
separada das rotinas meramente mundanas, evitando desperdício de tempo com
coisas que não edificam, para se dedicar a oração e a tudo que eleva o espírito
humano. Um dia perguntaram a Jesus por que jejuam os discípulos “de
João e os dos fariseus, e não jejuam os teus discípulos?”
(Marcos 2:18), ao que respondeu: “Podem porventura os
filhos das bodas jejuar enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o
esposo, não podem jejuar; Mas dias virão em que lhes será tirado o esposo, e
então jejuarão naqueles dias.” (Marcos 2:19-20).
Primeiro, Jesus considerou o jejum parte da vida dos discípulos, validando sua
eficácia espiritual. Dessa maneira, concordou com o jejum religioso deixado
pela lei mosaica ao povo de Israel, realizado uma vez por ano no dia da
Expiação ou Yom Kippur (Levítico 16:29). Sua finalidade era afligir e humilhar
alma dos israelitas no dia que toda a nação de Israel pedia perdão a Deus de
seus pecados. O dia da Expiação ou dia do Perdão era feriado nacional porque o
povo confessava seus pecados, e também o único dia do ano que o sumo sacerdote
podia entrar no Santo dos Santos para oferecer sacrifício pelos pecados do
povo, e se desobedecesse essa restrição morria (Levítico 16:2, Hebreus 9:7).
Quando Jesus comparou sua
presença no meio dos discípulos como a do noivo no meio de seus convidados nos
festejos das bodas, onde os amigos do noivo eram bem servidos durante todos os
dias da festa, quis dizer-lhes eles não precisavam afligir a alma para pedir
algo a Deus porque estavam diante do Filho de Deus, sendo poderoso para fazer
sinais, prodígios e milagres como os olhos já tinham vistos. E, assim como o
noivo fazia provisão de toda de comida e bebida necessária para aquele período,
Jesus também atenderia todo pedido dos discípulos enquanto permanecesse nesta
terra. De fato, nada lhes faltou enquanto esteve entre eles. Jesus aconselhou a
fazer jejum quando se entrar em batalha espiritual, algo que exige íntima comunhão
com o Espírito Santo.
Os discípulos não
conseguiram expulsar o demônio de um jovem lunático, que muitas vezes o fazia
cair no fogo e muitas vezes na água e após expulsá-lo, Jesus repreendeu a
incredulidade deles, dizendo que se tivessem fé nada lhes seria impossível, “mas
esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum.”
(Mateus 17:21), associando, no caso de batalha espiritual, a oração da fé com o
jejum. Ou seja, a expulsão de demônios deve
ser um propósito de quem jejua e principalmente daqueles cristãos que estão
envolvidos com a batalha e a libertação espiritual.
O jejum na oração do crente
funciona como um porrete para derrubar inimigos poderosos nas batalhas
espirituais. Suas orações estão tendo respostas de Deus? Como está sua
proximidade e intimidade com Deus? Tem algo tirando você facilmente da presença
dele ou fazendo você gastar seu tempo inutilmente? Se Deus não tem tido
primazia na sua vida, há perda considerável de tempo com o uso de tecnologia ou
entretenimento, é bom jejuar para fortalecer a fé e sentir segurança quanto a
salvação eterna.
“E isto vos será por estatuto perpétuo:
no sétimo mês, aos dez do mês, afligireis as vossas almas, e nenhum trabalho
fareis nem o natural nem o estrangeiro que peregrina entre vós.” (Levítico 16:29).
Qual é a duração do jejum no Novo Testamento? Normalmente o jejum oficial da lei mosaica (Lv
16:29) durava do alvorecer até ao pôr do sol, prática que estava vigente na
época de Jesus. O texto de Levítico não usa o substantivo jejum (hebr.
“tsowm”), mas o termo “afligireis as
vossas almas”, com o verbo afligir (hebr. “anah”) expressando o ato de humilhar-se, curvar-se, jejuar,
enfraquecer, estar abatido, submeter, maltratar, humildade, inclinar, estar
ocupado, estar atarefado com (não podia trabalhar), por melhor refletir o
comportamento de todos os israelitas no dia da Expiação ou dia do Perdão na
presença de Deus.
De acordo com os textos bíblicos da velha
aliança resta evidente que a regra do jejum em Israel o limitava do alvorecer
ao anoitecer – considerava-se esse período como a duração de um dia (Juízes 20:26,
I Sm 7:6, I Sm 14:24) - conforme o próprio Senhor confirmou quando condenou o mal-uso
do jejum em Judá: “Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um
dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda
debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao
Senhor?” (Isaías 58:5). Não podemos cair nesse
mesmo erro quando jejuamos, pois um dia de abstinência precisa ser confirmado
por um testemunho de vida santa. É a mesma regra que regula a oração: depois de
apresentarmos a Deus nossa oração precisamos permanecer em vigilância porque
Deus não se agrada da iniquidade nem com ele habitará o mal (Salmos 5:3-4).
Após ser batizado Jesus submeteu-se a um jejum
de quarenta dias e quarenta noites (Mateus 4:2, Lucas 4:2), semelhante ao jejum feito
por Moisés no monte Sinai quando esteve na presença de Deus recebendo os dez
mandamentos (Êxodo 34:28). Igual força incomum recebeu Elias após alimentar-se com
a comida dada pelo anjo do Senhor (I Rs 19:8). No novo testamento é dito que
Jesus “naqueles
dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome.” (Lucas 4:2, Mateus 4:2). Ele teve fome, não sede. Essa espécie de jejum é anormal, fora da
prática comum – há riscos porque expõe o corpo a sobre-esforço prolongado -,
sem imitação e só foi humanamente possível porque Moisés, Elias e Jesus foram
sustentados pela presença de Deus. O evangelho diz que apenas os discípulos de
João Batista jejuavam (Marcos 2:18), bem como que os fariseus jejuavam duas vezes
na semana (Lucas 18:12), às segundas e quartas-feiras, posição adotada principalmente
devido ao extremismo desse grupo religioso judaico, ficando entendido que os
discípulos de João Batista, o último profeta da velha aliança, seguiam o jejum
oficial da nação de Israel (Levítico 16:29).
Percebe-se que não havia necessidade de Jesus
estabelecer um novo tipo jejum, pois ele disse “não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim
para revogar, vim para cumprir.” (Mt
5:17 – ARA), de modo que ele ao falar de jejum referia-se ao jejum regular
instituído pela lei (Levítico 16:29). Também é
dito que os crentes da Igreja Primitiva jejuavam (Atos 13:2-3:23), obviamente
pressupondo-se o jejum da lei.
Após encontrar-se com Jesus no caminho de
Damasco, Saulo (o apóstolo Paulo) ficou cego e “esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu.” (Atos 9:9), um tipo de jejum especial, semelhante ao
feito por Ester antes de falar com o rei Assuero (Ester 4:16). Este jejum não
constava da lei, mas com certeza sua inspiração veio do Espírito Santo. O jejum
de Ester e Paulo tem por objetivo a busca de milagres e o mover da mão de Deus
para coisas impossíveis – Ester podia ser morta se entrasse na presença do rei
sem ser chamada e Paulo estava cego. Ainda no que diz respeito a boa prática do
jejum, a doutrina apostólica prescreve aos casados, durante o período do jejum,
a abstinência sexual (I Co 7:5), reserva conjugal que compactua com o desejo de
sujeitar a carne e elevar-se espiritualmente.
De tudo que vimos, temos por regra, excluídos os jejuns
religiosos, de natureza ocasionais e determinados por líderes religiosos (Zc
7:3, 8:19) ou por vontade própria – os dois jejuns de Daniel (Daniel 1:12-15:1-3)
-, prevaleceu no Cristianismo o jejum oficial ou regular de um dia (12 horas), em
conformidade com a lei mosaica. Quanto a isso, vejamos o que diz doutrina
respeitada: “A lei mosaica (sob a qual
viviam os ouvintes de Cristo) prescrevia um jejum anual, no Dia da Expiação
(Lv. 16:29, "afligireis as vossas almas"). O farisaísmo acrescentou
dois jejuns semanais, às segundas-feiras e quintas-feiras, e os usavam como
ocasiões para exibição pública de piedade. Entretanto, a verdadeira função do
jejum era indicar contrição profunda e a devoção temporária de todas as
energias à oração e à comunhão espiritual. Mas o jejum que exige expectadores é
mera exibição. Jesus não instituiu jejuns para os seus discípulos, ainda que o
jejum voluntário aparece ocasionalmente na igreja apostólica (Atos 13:2).”
(Comentário ao evangelho de Mateus – Mateus 17:16-18 – Moody).
Portanto,
a aflição da alma pelo jejum espiritual comumente tem a duração do alvorecer de
um dia ao anoitecer do mesmo dia, com exceção dos jejuns especiais que têm
períodos de tempos variáveis, regulados conforme o voto de cada crente. Em
suma, restou evidenciado três tipos de jejuns bíblicos: a) oficial ou regular
(12 horas – 1 dia) – não come, mas pode beber água (Levítico 16:29); b) especial (12
horas – 3 dias seguidos), não come nem bebe água (Ester 4:16, Atos 9:9); e o c)
especialíssimo (40 dias seguidos) – abstinência prolongada só bebendo água (Ex
34:28, I Rs 19:8, Mateus 4:2, Lucas 4:2).